É possível decretar o divórcio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges após a propositura da respectiva ação. Assim decidiu, de forma unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no caso em que, ainda em vida e no próprio processo, foi manifestada a anuência com o pedido de separação.
A ação de divórcio cumulada com partilha de bens foi ajuizada por um marido contra a esposa, que morreu durante a tramitação do processo. Após o falecimento, o autor solicitou a extinção do processo sem resolução do mérito.
O juízo de primeiro grau decidiu pela habilitação dos herdeiros no processo e julgou procedente o pedido de divórcio póstumo. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão – TJMA.
No recurso ao STJ, o autor da ação argumentou que o acórdão do TJMA violou uma série de dispositivos legais, pois a falecida esposa não tinha mais capacidade para ser parte no processo, motivo pelo qual deveria ter sido extinto. O homem defendeu ainda que, como a ação envolvia direito personalíssimo, a habilitação dos herdeiros não poderia ter sido deferida, pois isso só seria possível na hipótese de direitos transmissíveis.
Ao avaliar o caso, o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso no STJ, considerou a Emenda Constitucional 66/2010, concebida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Com a norma, o divórcio passou a ser um direito potestativo – ou formativo – dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da vontade de um de seus titulares.
O relator reconheceu que, no caso em análise, embora a esposa não tenha sido a autora da ação, ela manifestou claramente sua concordância com o pedido e ainda requereu o julgamento antecipado do mérito quanto ao divórcio. Segundo ele, a sentença que dissolveria o vínculo matrimonial só não foi proferida enquanto a mulher ainda estava viva devido a "vicissitudes próprias dos processos judiciais", mas o direito chegou a ser exercido tanto pelo autor, que iniciou a ação, quanto por parte da ré, que concordou com o divórcio.
"Cuida-se, em verdade, de reconhecer e validar a vontade do titular do direito mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o vínculo matrimonial. Aliás, o respeito à vontade da pessoa proclamada em vida tem norteado a jurisprudência desta Corte em casos que envolvem matéria sucessória, e com muito mais razão deve orientar o olhar sobre questões de estado, cujo conteúdo alcança diretamente a dignidade do cônjuge", afirmou.
O relator também citou precedentes do STJ que reconheceram a legitimidade dos herdeiros para figurarem no polo passivo de ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, pois o resultado do processo pode afetar o seu patrimônio; e também a possibilidade de dissolução póstuma da sociedade de fato (união estável).
"Assim, considerando a similitude entre as situações expostas nos julgados – legitimidade dos herdeiros e reconhecimento póstumo da dissolução da sociedade de fato – e o contexto fático ora em julgamento, não se pode conferir à questão solução diversa daquela que vem sendo reconhecida por esta Corte", concluiu o magistrado.
O número do processo não é divulgado em razão de segredo de Justiça.
Manifestação da vontade
Presidente nacional do IBDFAM, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira lembra que o único requisito para o divórcio, após a EC 66/2010, é a vontade das partes. “Assim, se elas já haviam se manifestado neste sentido, a vontade do falecido deve ser respeitada.”
De acordo com o especialista, sendo real a separação de fato, não existem razões para o status de viúvo do sobrevivente.
“Por analogia à já prevista adoção post mortem, o divórcio post mortem poderá ser decretado, em processo judicial preexistente à morte de uma ou de ambas as partes”, afirma Rodrigo da Cunha.
O advogado destaca ainda que a possibilidade do divórcio post mortem está entre as inovações previstas no anteprojeto do Código Civil, em análise no Congresso Nacional. Conforme a redação proposta do artigo 1.571: “a sociedade conjugal e a sociedade convivencial terminam: (...) § 4º O falecimento de um dos cônjuges ou de um dos conviventes, depois da propositura da ação de divórcio ou de dissolução da união estável, não enseja a extinção do processo, podendo os herdeiros prosseguir com a demanda, retroagindo os efeitos da sentença à data estabelecida na sentença como aquela do final do convívio”.
Por: Débora Anunciação
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM*
*Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM